O que ocorre se as contas do condomínio não são aprovadas pela assembleia
A vida em condomínio exige dos condôminos um comportamento que deve ser notabilizado pela tolerância em relação às diferenças que formam o todo, assim como a contínua manifestação de um espírito colaborativo, direcionado a alcançar a solução consensual dos conflitos comuns do dia-a-dia, com mitigação da preponderância dos interesses individuais dos moradores. A legislação em vigor estabelece um conjunto de regras a fim de disciplinar a vivência condominial e o direito de vizinhança, reservando à figura do síndico papel fundamental. O Código Civil atribui ao síndico o dever de zelar pela garantia do exercício pleno dos direitos do condômino, a fim de que possa usar das partes comuns de forma harmônica com os demais copossuidores, com respeito às regras da convenção condominial e do regulamento interno.
Cabe ao síndico cuidar da conservação patrimonial, cobrar dos condôminos as suas contribuições, impor multas por comportamento desconformes, e, principalmente, prestar contas de sua gestão à assembleia.
Assim, a assembleia (órgão máximo deliberativo do condomínio) poderá, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, destituir o síndico caso este não administrar convenientemente o condomínio, omitir-se quanto à prestação de contas ou quando estas forem consideradas insatisfatórias, preservando-se, em qualquer caso, o direito do síndico de corrigí-las e reapresentá-las em nova convocação, em respeito aos princípios da ampla defesa e do contraditório.
Nessa ordem de ideias, as contas inconsistentes – presente a recalcitrância na sua não prestação ou sendo mantida a sua desaprovação – autorizam a deposição do síndico. Por conta disso, devem os condôminos convocar uma nova assembleia para escolher um substituto – que poderá não ser condômino – e impedir a ocorrência de solução de continuidade da gestão administrativa. Porém, a remoção do ex-síndico não o exonera de qualquer responsabilidade, tampouco o desobriga a prestar contas sobre o período de seu mandato.
Deveras, na forma do artigo 1.348, inciso VIII do Código Civil, ele poderá ser instado a fazê-lo, ainda que judicialmente, na medida em que deve manter guardada – durante o prazo de cinco anos – toda a documentação relativa ao condomínio e à sua administração, exatamente para eventuais necessidades de verificação contábil, conforme dispõe o artigo 22, item g, da Lei número 4.591/64.
Em tal hipótese o condomínio poderá propor uma ação de prestação de contas, em cuja primeira fase o juiz declarará a existência ou inexistência do dever de prestá-las na forma ambicionada na lide aforada. A efetiva prestação será apreciada na segunda fase – após o exaurimento dos recursos cabíveis às instâncias superiores -, momento em que serão analisados os valores e os documentos apresentados no prazo de 15 dias, sob pena de não ser lícito ao ex-síndico impugnar as que o condomínio vier a ofertar, na forma do que prevê o artigo 550, parágrafo 5º, do Código de Processo Civil.
Porém, ainda que as contas sejam prestadas à massa condominial em assembleia oportuna, as ressalvas em sua aprovação sujeitam o síndico à responsabilização penal e civil pelos danos que eventualmente tenha causado, ainda que por omissão.
A malversação dos recursos da coletividade ou a inércia no recolhimento de tributos são exemplos típicos de gestão desidiosa, cuja apuração – com o objetivo de constatar a existência objetiva e quantificável de dissenso financeiro -, realizada notadamente por empresas especializadas em auditoria, pode levar à condenação penal do ex-mandatário por crime contra o patrimônio (apropriação indébita – Código Penal, artigo 168), pelas quantias desviadas, que prevê pena de reclusão de um a quatro anos e multa, aumentada, de um terço, ante a sua qualidade de síndico, além da obrigação de reparar os danos que causou.
Assim, o síndico, enquanto representante legal do condomínio e gestor do patrimônio e dos interesses da coletividade condominial, exerce verdadeiro mandato, e, nessa condição de mandatário, deve adotar todas as cautelas necessárias para valer-se de uma administração pautada pela boa-fé, lisura e transparência, devendo cercar-se de condôminos – seja no conselho consultivo, seja no conselho fiscal – que comunguem dos mesmos princípios e ideais de bem comum, com vistas a administrar o condomínio da melhor maneira possível, sempre alertando e posicionando aos demais condôminos sobre eventuais necessidades ou maiores dificuldades que se apresentem, com solicitação de rateios extras a fazer frente às contingências inesperadas e até mesmo imprevisíveis, a evitar a acusação de gestão ineficiente ou omissa, e, via de consequência, a sua responsabilização pessoal.
* Ana Beatriz Manhas, mestre em direito, é especialista em Direito Civil da banca Adib Abdouni Advogados